Saiba quem foi Nise da Silveira, cientista esnobada pelo governo Bolsonaro

A psiquiatra Nise da Silveira voltou à pauta esta semana, ao ter seu nome vetado para inscrição no livro dos Heróis e Heroínas da Pátria pelo presidente Jair Bolsonaro. Segundo ele, a medida, sugerida pela deputada Jandira Feghali (PCdoB) e relatada pela senadora Eliziane Gama (CIDADANIA), estaria "em contrariedade ao interesse público”.
O livro dos Heróis e Heroínas da Pátria destina-se “ao registro perpétuo do nome dos brasileiros e brasileiras ou de grupos de brasileiros que tenham oferecido a vida à Pátria, para sua defesa e construção, com excepcional dedicação e heroísmo”.
A médica psiquiatra e cientista Nise da SilveiraFonte: Acervo Nise da Silveira/Reprodução
Saiba a seguir quais foram os feitos de Nise da Silveira, quem foi a "psiquiatra rebelde" - como se autodenominava - e o que fez a cientista que é considerada um ícone da luta antimanicomial brasileira.
Quem foi Nise da Silveira
Nascida no dia 15 de fevereiro de 1905, em Maceió, Alagoas, Nise foi a única mulher a se formar em medicina em uma turma de 158 alunos, em 1931, na Bahia; foi uma das primeiras médicas brasileiras e aluna de Carl Gustav Jung, um dos principais nomes da psicanálise e fundador da psicologia analítica, sobre quem ela escreveu o livro Jung: Vida e Obra.
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Após se formar, mudou-se para o Rio de Janeiro, onde passou a trabalhar como psiquiatra no Hospital da Praia Vermelha. Nise era exceção à regra: era contra procedimentos considerados inovação para a época: lobotomia, coma insulínico e eletrochoque.
Foi presa em 1936, na Ditadura Vargas, por pertencer à União Feminina Brasileira, sob a acusação de "propagar ideias extremistas" e atividade subversiva associada ao comunismo. Na prisão, desenvolveu ainda mais suas ideias sobre tratamentos.
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Foi anistiada em 1944, retornando ao trabalho no Centro Psiquiátrico Nacional, que hoje se chama Instituto Municipal Nise da Silveira, em homenagem a ela.
Inconformada com os métodos empregados na psiquiatria e com o confinamento, passou a propor novas formas de tratamento psiquiátrico. Foi quando fundou a Seção de Terapêutica Ocupacional, cujas atividades deram origem ao Museu de Imagens do Inconsciente, hoje o maior acervo do mundo no gênero.
Para ela, a terapia ocupacional possibilitava a expressão não verbal de vivências do inconsciente de seus pacientes. Então, quando eles faziam arte, estavam se curando - e o estudo das imagens feitas por eles revelava características de seu estado.
A médica psiquiatra e cientista Nise da Silveira com seus pacientesFonte: Acervo Nise da Silveira/Reprodução
Segundo a médica, a liberdade de expressão e a relação de confiança e afeto com o terapeuta eram parte fundamental do processo, assim como a catalogação de "padrões arquetípicos" presentes nas obras - marcas do inconsciente coletivo presentes em toda humanidade (segundo o conceito junguiano).
Para Nise, a produção artística de seus pacientes era, pela qualidade estética, comparável à de artistas socialmente reconhecidos.
O que fez Nise da Silveira
Ao longo de seus muitos anos de atuação, a médica desenvolveu terapias ocupacionais que buscavam acolher e libertar por meio da arte, usando pintura e também modelagem como um meio de acesso ao mundo interno dos pacientes.
Ela promoveu uma revolução em sua época, principalmente na abordagem clínica de esquizofrênicos, que eram mantidos isolados e considerados como incompreensíveis em seus delírios e alucinações.
O projeto de terapia ocupacional idealizado por Nise da Silveira ganhou repercussão mundial e humanizou as práticas psiquiátricas da época - que eram exercidas predominantemente por homens -, com resultados clínicos importantes. Com o tempo, seu trabalho iniciou uma revolução.
A médica psiquiatra e cientista Nise da SilveiraFonte: Arquivo Nacional
Nise da Silveira também foi pioneira em tratamentos psiquiátricos com o uso de animais, como cães, e criou a Casa das Palmeiras, uma clínica de reabilitação no Rio de Janeiro, ainda ativa, destinada a antigos pacientes de instituições psiquiátricas.
Na Casa das Palmeiras a expressão criativa como tratamento é aplicada em regime de externato, ou seja: os pacientes não ficam reclusos e, sim, integrados à sociedade.
Após sua morte, em 30 de outubro de 1999, aos 94 anos de idade, seu arquivo pessoal recebeu o Registro Internacional no Programa Memória do Mundo da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), que busca contribuir para a paz e segurança no mundo mediante a educação, ciências e comunicação.
Nise: O Coração da Loucura
Se você ficou com vontade de saber mais sobre a médica psiquiatra Nise da Silveira, a atriz Glória Pires deu vida à cientista no filme Nise: O Coração da Loucura. Nele, um drama-documentário, é possível entender melhor como funcionava o processo de cura que a médica empregava em seus pacientes.
Veja o trailer:
Mesmo não entrando no livro dos Heróis e Heroínas da Pátria, é inegável que Nise da Silveira teve grande contribuição para a psiquiatria brasileira.